sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Les Passants



Um som estridente ecoou sobre aquela tarde de primavera. O portão antigo e esverdeado rangeu enquanto uma moça adentrava no local. Um rufar de vento soprou seu longo cabelo avermelhado e trouxe uma mistura singela de aromas: cheiro de flores, frutos, presenças, retornos, esperas e silêncios.
Como era o cheiro do silêncio?
O longo jardim compunha uma poesia visual deslumbrante. A vida era movimento, beleza e perfeição naquele ambiente carregado de simbologias e significados. Colheu algumas lavandas e caminhou em direção à casa. Contemplou por alguns minutos, relembrou ter visto a casa num de seus sonhos e fechou os olhos. A imagem onírica pronunciou em sua mente:

Você é minha memória inconsolável
Feita de pedra e de sombra
É dela que tudo nasce e dança
E você
Começa
A dançar
Dançar
Dançar...
Com a lua.
Seu corpo flutua até uma casa e ela acorda.

Abriu os olhos e tocou na maçaneta da porta. No mesmo instante, o apanhador de sonhos balançou com mais intensidade e transmitiu um som agradável aos ouvidos. A porta rangeu e a moça entrou com passos cautelosos. Notou que a casa era organizada, bonita e acolhedora. Cada objeto apresentava uma parte harmônica do local que estabelecia uma bela decoração vintage.
A parte que mais apreciava em todas as casas era a cozinha. Vasculhava as panelas, os utensílios, os sabores, cheiros e planejava várias receitas mirabolantes e deliciosas.
Preparou um chá de hortelã que colheu de um vasinho perto da janela e tomou com prazer e delicadeza.
Perambulou pela casa até chegar num quarto que continha três espelhos assimétricos, uma cama e uma escrivaninha.
Em casa espelho, sua imagem era desfocada e carregada de contrastes e nuances que, por um momento, ficou assustada.
Lembrou de uma expressão japonesa chamada Wabi- Sabi: Beleza encontrada no imperfeito, incompleto e impermanente. Impermanência da vida, transitoriedade, ação do ciclo do tempo, marcas que resultam do simples fato de existir... e se tranquilizou.
Abriu a janela e foi até a varanda. Seus olhos captaram o desfecho mágico daquela tarde:
Pessoas transitavam ao redor de uma enorme cerejeira tocando alguns instrumentos musicais.
Quem são aquelas pessoas?
Não sabia. Só podia nomeá-los  de Les Passants. Como todos que habitam este mundo raro e efêmero.







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