quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Arte no escuro




O céu estava arroxeado e sinalizava que algo estranho estava prestes a acontecer. Era comum em noites de lua cheia suscitarem mistérios e desfechos. A janela estava aberta e as finas cortinas brancas balançavam e esvoaçavam como vagalumes na lâmpada acesa. Com olhos calmos de quem observa a vida caminhar, notava-se que uma maçã vermelha se encontrava sobre a grande mesa de vidro. Parecia uma bela pintura emoldurada entre sombras e poesia. Sem movimento e intacta. De súbito, o fruto rolara no chão. Espatifando-se em quatro partes que poderiam abrigar o desenho de uma flor. 
Lírio observava a situação com estranhamento e recolheu a maçã. A moça foi até o sofá e sentou-se de uma maneira confortável e relaxada. Passou-se alguns minutos e ela flutuava em um devaneio: 

"Meu nome é Lírio. Representa o nome de uma linda flor." (E assim, fez uma listinha mentalmente de pessoas que tinham nomes de flores, como a cantora e desenhista Tulipa Ruiz e lembrou da cantora Tiê que tem o nome de um pássaro. Algo extremamente singelo e pueril). 

Um som estridente fez com que a moça voltasse a si. Curiosa e um pouco assustada, ela saiu em busca de algo peculiar que explicasse o surgimento daquele som. A rua estava silenciosa, poucos carros passavam e as luzes coloridas da cidade a acompanhavam. Uma fina neblina apareceu no momento, fazendo com que o frio permanecesse no seu corpo por um longo tempo. Atenta, percebeu que o som não era nada de importante e percorreu sobre as ruas com passos cautelosos. Sentia que estava imersa em um cenário de filme francês ao lado de cafeterias, bares, livrarias(...) e caminhava atentamente sob o manto do céu arroxeado. 
Em uma rua distante, a moça avistou uma luz azul fosforescente e seguiu em direção ao local desconhecido, como se fosse atraída por um grande imã. Era uma mistura de curiosidade e temor. Estava acompanhada por um silêncio profundo e uma sensação que algo iria desabrochar. Aproximou-se da luz e olhou atentamente por alguns minutos. 
A luz foi desaparecendo e grandes olhos enigmáticos e um macio pêlo preto foram surgindo até criar a forma de um gato. Sinuoso e intuitivo, ele ronronou para ela que estava prestes a obter a garantia de sete vidas que mantêm todos os felinos. Um relâmpago estrondou no exato instante preenchendo a situação com mais mistério e simbologias. O ato de vigiar ao redor e respirar estava carregado de significados que ela não poderia mensurar. O gato miou para Lírio e o corpo do animal foi se aproximando e desaparecendo de uma forma fantasmagórica até se encaixar na alma da moça. 
Num rodopio místico, flores brotaram na sua cabela e uma companhia soturna pousou no lugar: Um corvo. 
A escuridão poetizava o momento e uma raposa surgiu ao acaso. Lírio afagou o animal como se ele fizesse parte de seu ser e certamente, era. 
Fechou os olhos e correu em direção ao seu instinto. 
Afinal, uma gata transita entre inquietude e silêncio.