sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Ventila essa dor...

A alvorada compunha um belo cenário.
Um rouxinol cantava a sua pureza diante da chuva de outrora.
Ainda sentiam a grama molhada, o cheiro delicado do orvalho e a brisa leve, bem leve da manhã.
Paolo tinha um olhar ausente, distante, um tanto confuso, diante dos últimos acontecimentos.
A briga com os pais, a descoberta da falsidade de um amigo e o término do namoro com a Marjorie.
Ele tinha um coração pesado para carregar e tudo estava triste e desanimador.
Pegou a sua bicicleta, uma cesta de frutas e flores, um livro e pedalou até a cidade.
Gostava de observar o cenário arquitetônico.
A igreja gótica, os altos prédios das empresas de negócios, as casas estilo europeu (...).
Paolo sempre registrava a cidade com belas fotografias e montava um grande mosaico com elas na parede do seu quarto.
Avistou um grande jardim com uma imensa cerejeira.
Sentou debaixo da árvore, encostou a sua bicicleta com a cesta.
Pegou o seu livro e folheou algumas páginas.
O ambiente estava tão tranquilo, que Paolo cochilou.
Ao acordar, percebeu que havia uma criança em pé na sua frente.
A criança entregou uma margarida para ele com um lindo sorriso e saiu correndo.
Paolo achou o gesto tão puro e meigo, que seu coração aqueceu.
No final do livro, continha uma folha em branco.
Arrancou a folha e com uma bonita letra, escreveu:
''Marjorie
Você é uma doce guerreira.
E está em seu caminho.
Você é a última grande inocente.
E é por isso, que eu te amo...''
Ele sabia que aquelas palavras, na verdade, não eram para ela. Mas, para ele.
Pegou um dente-de-leão e junto com o papel assoprou bem forte. Para bem longe.
E como um anjo caído, fez questão de esquecer todos os tormentos e angústias que estavam machucando-o.

Trilha sonora: Soul Parsifal- Legião Urbana

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Cicatriz

Era quase meia-noite.
O piano dedilhava notas desconhecidas.
Folhas secas ornamentavam a cauda do instrumento.
Uma luz azul era forte e densa no recinto, atrapalhando a chegada da moça em sua morada.
Tudo era tão frio, mas, ao mesmo tempo, aconchegante, que a moça sentiu um arrepio ao entrar em sua casa.
Adentrou, atenta ao piano.
Como poderia um instrumento, tocar sozinho?
A moça se impressionara.
Era tudo tão mágico e lúdico....
Sentou-se no pequeno sofá.
Reflexiva, tentava entender o motivo, pelo qual, exaltava o saudosismo.
Por que se consumia de recordações e lágrimas.
Houvera diversos motivos e decifrá-los era a sua tarefa mais árdua.
Olhou para a escada-caracol.
Viu que era divertido subrir nela, e resolveu subir, olhando para a parede decorada com quadros de imagens do cinema e artistas pelos quais era fã.
Jane Austen, Frida Kahlo, cenas do filme ''Casablanca'', entre outros.
Apreciava a arte e todas as suas formas de expressão.
Chegou em seu quarto.
Olhou para o grande espelho, que habitava o local.
Estava com um longo vestido branco, bordado de renda.
Algo dizia em sua mente, que deveria ficar nua.
Assim, o fez.
Notou sua pele, quase pálida.
Seus olhos pintados com uma sombra cinza-grafite.
Seus lábios delicados com um batom vermelho intenso.
Uma rosa tauada em seu ombro direito.
Lentamente, suas mãos macias começaram a tocar em todo o seu corpo.
Acariciando... Sentindo as texturas, as nuances... Descobrindo partes desconhecidas. Sem medo, do que poderia descobrir e conhecer.
Nas costas, havia uma cicatriz enorme, que a moça tentava esconder de todas as maneiras.
Mas ali, sozinha, percebera que a cicatriz fazia parte da sua essência, da sua história e escondê-la, seria um erro.
Pétalas de rosas brancas e vermelhas cairam sobre o seu corpo delicado e esguio.
Uma felicidade sincera estava à caminho.
Se vestiu e deitou, tendo os melhores sonhos possíveis.